No living "la vida loca"
A cadela ladrou de manhã, mas sosseguei-a e
voltámos a dormir. Era apenas Hans que saía. Levantei-me tarde e vi um bilhete manuscrito
sobre a mesa da cozinha. “Ir resto semana Marrocos, porque amanhã centenário
declaração de guerra Alemanha para
Portugal e não aguentar questões estúpidos de colegas da faculdade”. Haverá
quem possa considerar esta atitude um bocado cobarde da sua parte, mas o rapaz
não herdou as dívidas políticas dos seus antecessores.
Por outro lado, não sei se este
intercâmbio foi a melhor ideia. A disciplina cansa-me bastante, e viver com
Hans is no “la vida loca”.
Continua obcecado com o seu trabalho focado na renegociação da dívida, de acordo com a orientação de Yanis Varoufakis, mas lamenta a falta de bibliografia existente nas nossas bibliotecas. De imediato, lhe pedi que desse notícia a Frau Angela Merkel. Não gostou. Considera que o sul da Europa acumula muitos preconceitos em relação aos alemães. A parte não é o todo e o todo não é a parte, reclama.
Continua obcecado com o seu trabalho focado na renegociação da dívida, de acordo com a orientação de Yanis Varoufakis, mas lamenta a falta de bibliografia existente nas nossas bibliotecas. De imediato, lhe pedi que desse notícia a Frau Angela Merkel. Não gostou. Considera que o sul da Europa acumula muitos preconceitos em relação aos alemães. A parte não é o todo e o todo não é a parte, reclama.
Queixa-se da reduzida carga de
trabalho exigida pelos professores. A excelência pede sacrifício do prazer. Não
podemos obter recompensas imediatas. Há que perseverar. Insistir. Exercício.
Confirmar e melhorar pela repetição. Cita o seu avô Friedrich: “o bom trabalho
é o trabalho completo”, enquanto limpa o chão de toda a casa com lixívia e
esfregona, embora a Ninah só tenha mijado na entrada da porta. Grito-lhe,
“estás a molhar mais, estás a molhar tudo”. Responde “o bom trabalho é o
trabalho completo”.
Não suporto a lida doméstica,
portanto, havendo mais um em casa, mandei vir de novo a mulher-a-dias, para
facilitar. Hans mostrou-se agradado, por darmos trabalho a mais uma pessoa.
Pareceu-lhe, por segundos, que eu poderia estar num grau civilizacional
semelhante ao seu, mas logo se desiludiu e indignou ao descobrir que a
empregada recebe pouco mais de 6
euros à hora.
“Tão
pouco? Como é possível? Como poderá sobreviver? Temos de pagar mais.” Respondi
que não poderíamos fazê-lo sem correr o risco de desestruturar os orçamentos
familiares de toda a Margem Sul. Expliquei que esse é o preço do trabalho
doméstico, por aqui, logo, se pagarmos acima, ela exigirá mais dinheiro nas
outras casas, o que, por sua vez, num efeito de contágio, levará as restantes empregadas
a exigir o mesmo. Ora, as pessoas já fazem grande sacrifício para pagar o atual
valor. Disse-lhe mesmo, “de economia percebes tu e o Varoufakis, mas isto
parece-me elementar”. Olhou-me duvidoso e retorquiu que teríamos de a
recompensar principescamente na Páscoa. Para atalhar disse que sim. Este rapaz
não tem a menor ideia de como se vive no Sul, mas deixemo-lo andar com o
projeto de renegociação da dívida. Precisamos de milagres e a verdade é que o bom trabalho é o trabalho completo.