Downsizing do lifestyle



 Foto de Javier Arcenilas

Dizem mal da Margarida Rebelo Pinto, mas a escritora acabou de contribuir para o enriquecimento da língua com a introdução de um empréstimo que denomina na perfeição a crise que afeta a ex-classe média, designada hoje como "os que têm emprego".
Não sou apenas eu e os meus amigos e colegas quem usa a referida expressão todos os dias. Os mais jovens clientes do café Colina, na casa dos trinta e poucos, agora engenheiros, seguranças ou vendedores de carros, todos meus explicandos de português, inglês ou francês quando eu era ainda uma jovem professora contratada através dos mini-concursos, usam-na enquanto vão falando e mostrando uns aos outros os vídeos no smartphone ou no tablet.
Não vão sair à noite porque têm de fazer um downsizing do lifestyle. Não podem comprar de marca, mas dá para negociar com o cigano do bairro, porque, desde que começou o downsizing do lifestyle... 
A expressão é um diamante bem lapidado que transcendeu o "apertar do cinto", expressão que sobreviveu não sei como à miséria real do Estado Novo. Espero que passe à reforma, porque se a língua não muda, o povo estagna, ou vice-versa.
Agora ninguém aperta o cinto, até porque a comida de segunda, rápida, obriga a alargá-lo. Agora faz-se um downsizing, ou seja, não se compra cherne fresco ao sábado: vai-se à secção de congelados do Jumbo e manda-se cortar uma perca do Nilo em postas finas duras. Cherne fresco era viver acima das nossas possibilidades, e que interessa que os pescadores não vendam?! O europeu do Norte não gosta de nos ver comer peixe fresco do alto. Um carapau, uma sardinha, vá. Downsizing do lifestyle significa, na prática, continuar a ser os pretos claros dos brancos do norte, como no passado outros foram os nossos pretos, porque não nos interessava que fossem mais do que isso. A história repete-se com diferentes protagonistas, mas essencialmente é sempre isto: quem manda e quem é mandado; quem pode e quem não pode.

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